quinta-feira, 2 de maio de 2019

[FREE DAY] Dia da Literatura Brasileira com Cristiane Sobral


Olá, preguiçosos!
Ontem, 01 de maio, além do feriado do Dia do Trabalhador, também foi comemorado o Dia da Literatura Brasileira. Então, decidi trazer um poema da Cristiane Sobral, uma escritora brasileira (é claro!) que conheci na 11ª Mostra Cultural do Cooperifa em 2018.

Não vou mais lavar os pratos

Não vou mais lavar os pratos
Nem vou limpar a poeira dos móveis
Sinto muito
Comecei a ler

Abri outro dia um livro e uma semana depois decidi
Não levo mais o lixo para a lixeira
Nem arrumo a bagunça das folhas que caem no quintal
Sinto muito
Depois de ler percebi a estética dos pratos
A estética dos traços
A ética
A estática

Olho minhas mãos quando mudam a página dos livros
Mãos bem mais macias que antes
Sinto que posso começar a ser a todo instante
Sinto
Qualquer coisa

Não vou mais lavar
Nem lavar
Seus tapetes para lavar a seco
Tenho os olhos rasos d'água
Sinto muito
Agora que comecei a ler quero entender
O porquê, por quê? E o porquê
Existem coisas
Eu li, e li, e li
Eu até sorri
E deixei o feijão queimar...
Olha que o feijão sempre demora a ficar pronto
Considere que os tempos agora são outros

Ah
Esqueci de dizer
Não vou mais
Resolvi ficar um tempo comigo
Resolvi ler sobre o que se passa conosco
Você nem me espere
Você nem me chame 
Não vou

De tudo o que jamais li
De tudo o que jamais entendi
Você foi o que passou
Passou do limite
Passou da medida
Passou do alfabeto
Desalfabetizou

Não vou mais lavar as coisas e encobrir a verdadeira sujeira
Nem limpar a poeira a espalhar o pó daqui para lá e de lá para cá
Desinfetarei as minhas mãos e não tocarei suas partes móveis
Não tocarei no álcool

Depois de tantos anos alfabetizada aprendi a ler
Depois de tanto tempo juntos
Aprendi a separar
Meu tênis do sapato
Minha gaveta das suas gravatas
Meu perfume do seu cheiro
Minha tela da sua moldura

Sendo assim
Não lavo mais nada
E olho a sujeira no fundo do copo

Sempre chega o momento
De sacudir
De investir
De traduzir

Não lavo mais pratos
Li a assinatura da minha lei áurea
Escrita em negro maiúsculo
Em letras tamanho 18,
Espaço duplo
Aboli

Não lavo mais os pratos
Quero travessas de prata
Cozinhas de luxo
E jóias de ouro
Legítimas
Está decretada a Lei Áurea.


  Dispenso comentários... O trabalho da Cristiane me tocou em vários âmbitos; fiquei muito feliz de conhecê-la, inclusive, no dia do evento, pude vê-la proclamar esse poema - que faz parte de uma coletânea - ao vivo. 
  Bom, para quem se interessou pelo trabalho da autora, visite o seu Instagram. Obrigada, e até mais!

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